1. Há uma escolha fundamental seja na vida pessoal, seja na vida das organizações, seja na vida das sociedades: pertencer ao Mundo do Menos ou ao Mundo do Mais.
O Mundo do Menos é o mundo das restrições dos custos. O Mundo do Mais é o mundo-das oportunidades dos valores. No primeiro,- habitam as pessoas, organizações e países incapazes de gerar valor, hipnotizados que estão pela economia de custos. No segundo estão as pessoas, organizações e países prósperos, rodeados de valor, de onde se origina toda a riqueza.
A lógica do mundo dos custos (Mundo do Menos) é a abdicação do valor, substituindo-o pela obsessão pêlos custos, resultando em modéstia inovatória, timpidez empreendedora, descaso com a educação e pesquisa e obtendo o consequente desastre no âmbito da qualidade. Ao contrário, o Mundo dos Valores (Mundo do Mais) está sempre ávido em aprender, em pesquisar, em procurar a qualidade, em agregar valor. O Mundo do Mais aprende a gerar valor para os outros e para si próprio e usufrui deste aprendizado em forma de prosperidade e qualidade de vida. O Mundo do Menos é o mundo do PIB(Produto Interno Bruto ou a somatória dos custos de sociedade). O Mundo do Mais é o mundo do VAB (Valor Agregado Bruto ou a qualidade de vida que o produto gera).
As pessoas, organizações e países do Mundo do Menos só conseguem desenvolver produtos, serviços com baixo valor agregado, isto é, produtos e serviços em cuja composição estão componentes de baixo valor cujos preços tiveram de ser os menores possíveis: matérias-primas baratas, ingredientes simples e sobretudo salários baixos. Está explicado o salário mínimo de 70 dólares, a pobreza urbana e rural, a não qualidade do ensino, a penúria do serviço público. O Mundo do Menos sempre propõe menos: menos valor, menos salário, menos qualidade. Uma montadora de automóveis no Brasil notabilizou-se pela redução do preço dos modelos básicos, através da extirpação da luz de ré, estepe, espelho do lado direito e outras economias menos escandalosas. O Mundo do Custo está irremediavelmente preso na sua própria armadilha: quanto mais se procura baixar o custo, mais o valor vai embora, os talentos desertam e a pobreza impera.
O Mundo do Mais, ao contrário, é obcecado pelo valor. Agrega entusiasmadamente todas as fontes de valor possíveis (cientistas, artistas, bons profissionais, talentos, novas tecnologias) e aumenta o valor das coisas, serviços e processos. No limite, esta busca do valor acaba resultando em subproduto inusitado: a redução dos custos. Quem se esforça em fazer bem só faz uma vez, portanto faz muito mais barato. Vendendo qualidade os japoneses ocuparam o mercado mundial de automóveis, eletrônicos, Hardware, máquinas fotográficas, relógios. Com preços baixos. Surpreendentemente.
A grande contribuição japonesa ao pensamento empresarial e social deste século reside precisamente nesta proposição enigmática: o custo só baixa pelo caminho do valor. A rota do custo para o valor é sempre tortuosa e não leva a lugar nenhum. Beco sem saída.
2. O Mundo do Mais e as comunidades:
Como decorrência desta contraposição, as comunidades também precisam escolher entre os dois mundos. As comunidades dos países desenvolvidos já o fizeram: optaram pelo Mundo do Mais, pelo Mundo do Valor. Embora não nos demos conta disso, fizemos (países subdesenvolvidos e, especialmente, o Brasil) a opção pelo Mundo do Menos: construímos uma sociedade baseada na economia dos custos, no preço baixo dos insumos e na miséria salarial. Convidamos empresas estrangeiras a se instalarem aqui porque "os salários são baixos, há isenção de impostos, os terrenos são subsidiados e há linhas de crédito a juros negativos". Como decorrência psicopatológica, alardeamos a todos os ventos que no Brasil o salário é baixo. A título de "contar vantagem".
As empresas europeias e americanas, que nos seus países de origem estão inseridas no Mundo do Mais (pesquisam, pagam bons salários, desenvolvem coisas novas, apoiam universidades, escolas e projetos comunitários, fabricam e vendem produtos e serviços de alto valor agregado), ao cruzar a linha do Equador incorporam-se imediatamente ao Mundo do Menos (chamam "pesquisa" a tradução de manuais enquanto nas suas matrizes fazem P&D de verdade). Os gastos, em 1993, dos 16 países mais investidores atinge 174 bilhões de dólares.
Orçamento do P&D dos 15 maiores gastadores do mundo (últimos orçamentos)
(em milhões)
01. General Motors (USA) 6,030
02. Daimler Benz (Alemanha 5,474
03. Ford Motor (USA) 5,021
04. Siemens (Alemanha) 4,759
05. IBM (EUA) 4,431
06. Hitachi (Japão) 4,025
07. AT&T (EUA) 3,428
08. Matsushita (Japão) 3,227
09. Fujitsu (Japão) 3,107
10. Alcatel Alsthom (França) 2,863
11. Toshiba (Japão) 2,503
12. RWE (Alemanha) 2,431
13. Nippon Telegraph & Telephone(Japão) 2,372
14. NEC (Japão) 2,208
15. FIAT (Itália) 2,132
(Fonte: Business Week, 27/junho/94)
Gastos de P&D em 93 para os 16 Países Mais Investidores
(em milhões de dólares)
0.1. USA 74,071
02.Japão 37,574
03. Alemanha 25,942
04. Inglaterra 8,945
05. França 8,749
06. Suíça 5,672
07. Holanda 3,805
08. Itália 3,663
09. Canadá 2,297
10. Suécia 1,961
11. Bélgica 462
12. Finlândia 395
13. Nova Zelândia 115
14. Noruega 105
15. Austrália 62
16. Áustria 56
Soma 173,874
(Fonte: Global Vantage)
É desnecessário comparar estes números com os números brasileiros.
Antes que pensemos que a culpa é "deles" vamos botar a mão na consciência e lembrar que o convite para chafurdar no Mundo do Menos sempre parte de nós: para trazer uma fábrica de automóveis entregamos tudo (impostos, terrenos e sobretudo a vergonha da cara). A Metal Leve de São Paulo (capital nacional) instalou seu centro de pesquisa em Ann Harbor nos EUA e não no Brasil. Um determinado Ministro de Estado sugeriu aos japoneses que mandassem para cá as fabricas poluidoras. Políticos e candidatos a política alardeiam pelo mundo a fora as "enormes" vantagens de custos para atrair empresas. Todas do Mundo dos Custos.
Em Cingapura, ao contrário, para se dar um exemplo extremo, não se permite a instalação de fábricas de automóveis (não se trata de não fornecer subsídios, trata-se de proibição pura e simples). A razão é simples: automóveis são produtos que vão se comoditizando e cada vez permitem gerar menos valor agregado. A média salarial é baixa. Mas não precisamos ser tão radicais. Basta adensarmos as experiências do Mundo do Mais.
As comunidades brasileiras precisam entender que não há esperança no Mundo do Menos, por mais que pareçam lógicos os desejos de "gerar empregos" (sempre ruins) e "trazer novas empresas" (sempre de baixo valor agregado).
Não sairemos da miséria peio caminho dos custos, mas somente pelo caminho do valor.
3. Ir do Mundo do Menos para o Mundo do Mais
Realizar este trajeto pressupõe construir um conjunto novo de regras.
a. Esquecer as abstrações "País" e "Estado" e concentrar o foco nas comunidades. Se alguma coisa vai acontecer, será a partir das comunidades.
b. Entender que no Mundo do Mais não há arquitetura social fragmentada como no Mundo do Menos. Se, neste último, o problema social é de competência do "governo", no Mundo do Mais ele é coletivo. Ò Mundo do Mais funciona em networking (competências comunitárias articuladas). O Mundo do Mais é o mundo da ONG (organização não governamental). Todos os assuntos são coletivos e cada ponto do "networking" é um "gateway", isto é, um canal de entrada para novas propostas. Em qualquer área.
c. Entender que só se constrói o Mundo do Mais com decisões concretas: não dar subsídio fiscal ("Imposto é cidadania"), não entregar terrenos de graça, preferir quem agrega valor, proibir empreendimentos geradores de salários baixos. Financiar apenas quem pesquisa, adiciona valor, paga salários médios altos. O Mundo do Mais é uma questão de postura filosófica.
d. Entender que só se pode agregar valor pelo adensamento dos instrumentos necessários: centros de pesquisa, educação, concentração de organizações geradoras de valor, convívio com a excelência internacional, excelência tecnológica.
e. Entender que a educação é a principal alavanca, porque apenas pessoas educadas* conseguem gerar valor. Estudo recente "The East Asian Miracle" (Banco Mundial) investiga as razões do sucesso dos tigres asiáticos e muitas das razões estão na capacidade de educar. O especialista em educação Cláudio de Moura Castro afirma que o espantoso no Brasil não é a não qualidade da educação nacional, mas é termos ido tão longe com ela. Na verdade, a educação brasileira não é ruim. É somente adequada a um projeto do Mundo do Menos. Pessoas que receberão salários de 70 dólares não precisam ser educadas. Basta terem pernas e braços.
f. Entender que é preciso desconsiderar os conceitos de custo. Não interessa a mensuração do P EB (somatória de custos), mas a qualidade de vida que o PEB gera. O aparato analítico da Ciência Económica não consegue perceber o valor, apenas o custo. Daí a preocupação com a distribuição de renda para compensar os defeitos do conceito PIB. Mas a Ciência Económica também não entende que só se distribui renda pela inserção do pobre nos mecanismos de geração de valor e, não, por política fiscal.
g. Entender que não há assuntos isolados. Qualidade Total sai do âmbito empresarial (e da cadeia produtiva próxima) e invade toda a sociedade. Apenas haverá qualidade total para os indivíduos, se houver qualidade total para a sociedade. Em outras palavras, a pobreza tem de ser vencida. E vencida pela agregação do valor. O salário baixo só a perpetua. Desenvolvimento significa ensinar o pobre a agregar valor.
4. O desenvolvimento da sociedade em torno do conceito do Mundo do Mais confere habilidade competitiva nova aos indivíduos daquela sociedade: competitividade comunitária (community competitiveness). Valor atrai valor. Miséria atrai miséria. No momento em que tanto se fala de reengenharia, dever-se-ia almejar, sobretudo, nos países subdesenvolvidos, a Reengenharia da Sociedade ou, em outra palavras, a migração maciça dos pântanos desesperançados do Mundo do Menos para os vales prósperos do Mundo do Mais.
José Monir Nasser, diretor de AVIA Internacional
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