Resiliência é um termo
muito utilizado ultimamente nas empresas para identificar um tipo complexo de
comportamento humano.
Segundo o dicionário
Aurélio: s.f. 1. Fis. Propriedade pela qual a energia
armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora
duma deformação elástica. 2. Resistência ao choque. (o grifo é
nosso)
Será que tem valor a
utilização deste termo para entender aspectos do comportamento humano dentro da
empresa? Será que não existe um termo ou um conceito mais apropriado na
psicologia para descrever este comportamento humano e não de materiais? Parece
que sempre se acha algum tipo de metáfora para tentar explicar questões humanas
na empresa que, na maioria das vezes, banalizam o comportamento humano
reduzindo-o ou igualando-o a animais (lembram dos ratos e o queijo que foi
mexido? e dos gansos? e dos búfalos?) ou a materiais como neste caso. Seria mais
adequado ir diretamente à fonte que estuda estes fenômenos comportamentais que
gostaríamos de entender.
Analisando um pouco
mais profundamente a razão da utilização deste termo, devemos buscar entender
porque esta exigência é feita hoje dentro das organizações: “seja resiliente”.
Parece um pedido de adaptação e flexibilidade máximas que pessoas devem ter às
condições do cenário (interno e externo) que o negócio opera. Uma prática até
certo ponto conhecida de muitos que é a de mudar o artista, mas não mudar o
cenário. De novo o sacrifício maior, ou se preferem, o movimento de mudança,
recai sobre as pessoas e não sobre o negócio. Este, parece, navega ao sabor das
vicissitudes do momento do mercado e pede aos marinheiros que apertem os cintos.
É um pedido de “adapte-se” mesmo que as condições sejam difíceis ou
insuportáveis, porque se assim forem e o indivíduo não conseguir adaptar-se
então ele não foi resiliente, conclusão redundante.
Uma questão que passa
despercebida no uso deste termo, é que para nós humanos a tal resiliência, que
está sendo utilizada como sinônimo de uma habilidade máxima de adaptação ao
meio, pode significar não à criatividade, à inovação, à consciência, à
indignação. Por outro lado, para nós o sofrimento, a inconformidade, a visão
crítica são alguns dos conhecidos motores e propulsores da criação e da
inovação, enfim, da mudança e da busca pelo novo. Porque, ao que tudo indica, a
utilização deste termo sentencia que quem é resiliente muda a si mesmo, muda os
seus padrões individuais de necessidades, de expectativas, muda a forma de
realizar o trabalho, ou seja, somente se adapta. E as condições de trabalho e de
gestão não devem mudar também? O negócio não deveria ser resiliente também? O
próprio negócio corre riscos se contar apenas com pessoas
resilientes.
Outra questão, que
parece mais séria, e que passa também despercebida é que a resiliência serve
para explicar fenômenos materiais, e muito bem explicados pela física. Mas com
humanos a resiliência, dependendo da pressão e do esforço para a adaptação e
para a flexibilidade que as pessoas fazem, pode certamente significar seqüelas.
Não porque o individuo não foi resiliente, ao contrário, ao sê-lo ele avança
seus limites, mergulha e quando se dá conta, em pouco tempo começa a perceber as
conseqüências deste esforço. A palavra esforço parece extrema, mas não é quando
olhamos para as exigências de adaptação cotidiana que pessoas experimentam nas
empresas em que traba lham. Está claro que o pedido e a intenção original são
“mexa-se e saia do conhecido”, ou “adapte-se ao mundo mutante e veloz”, mas
utilizado desta forma está causando um efeito ao contrário. Além das seqüelas
(na maior parte das vezes reações psicossomáticas) esta exigência pode inibir a
criatividade e a inovação.
Mais do que isso, para
mudar de referenciais as pessoas necessitam de um recurso pouco disponível nas
empresas hoje: tempo. Não lhes é concedido, ser resiliente é reagir
imediatamente, ou seja, outra condição para a inibição da crítica e da
criatividade. Acrescente-se a isto uma jornada de 10 a 12 horas de trabalho
diário e a eterna sensação de estar devendo, e as coisas pioram
bastante.
Para comprovar estas
afirmações feitas até agora sugerimos uma visita ao médico do trabalho. Parece
estranho, mas hoje ele tem uma boa noção e até um bom diagnóstico do que as
pessoas estão vivendo e passando nas empresas hoje. É só pedir a ele que relate
quais são as principais queixas do dia-a-dia e suas prescrições, e saberemos a
porcentagem de doenças psicossomáticas existentes. É claro que nem tudo é
consequência da tal resiliência, mas boa parte sem dúvida
é.
Alguns argumentam
dizendo exatamente o contrário, ser resiliente é ser criativo e inovador. Se
isto significar ser criativo para mudar as condições de trabalho e de aspectos
da gestão, estamos de acordo, mas não é bem isso que a utilização
sensacionalista do termo sugere.
Para finalizar, um
exemplo de resiliência talvez um pouco desconfortável: o brinquedo conhecido
como “João Bobo”. Leva soco e pancada e volta sempre para o mesmo lugar com a
mesma cara sorridente. Qualquer semelhança não é mera
coincidência.
Luis Felipe Cortoni é sócio-diretor da LCZ Desenvolvimento de Pessoas e
Organizações (www.lczconsultoria.com.br)
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