terça-feira, 16 de agosto de 2011

Melhores textos: Resiliência, porque utilizar este termo? por Luis Felipe Cortoni

Resiliência é um termo muito utilizado ultimamente nas empresas para identificar um tipo complexo de comportamento humano.
Segundo o dicionário Aurélio: s.f. 1. Fis. Propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora duma deformação elástica. 2. Resistência ao choque. (o grifo é nosso)
Será que tem valor a utilização deste termo para entender aspectos do comportamento humano dentro da empresa? Será que não existe um termo ou um conceito mais apropriado na psicologia para descrever este comportamento humano e não de materiais? Parece que sempre se acha algum tipo de metáfora para tentar explicar questões humanas na empresa que, na maioria das vezes, banalizam o comportamento humano reduzindo-o ou igualando-o a animais (lembram dos ratos e o queijo que foi mexido? e dos gansos? e dos búfalos?) ou a materiais como neste caso. Seria mais adequado ir diretamente à fonte que estuda estes fenômenos comportamentais que gostaríamos de entender.
Analisando um pouco mais profundamente a razão da utilização deste termo, devemos buscar entender porque esta exigência é feita hoje dentro das organizações: “seja resiliente”. Parece um pedido de adaptação e flexibilidade máximas que pessoas devem ter às condições do cenário (interno e externo) que o negócio opera. Uma prática até certo ponto conhecida de muitos que é a de mudar o artista, mas não mudar o cenário. De novo o sacrifício maior, ou se preferem, o movimento de mudança, recai sobre as pessoas e não sobre o negócio. Este, parece, navega ao sabor das vicissitudes do momento do mercado e pede aos marinheiros que apertem os cintos. É um pedido de “adapte-se” mesmo que as condições sejam difíceis ou insuportáveis, porque se assim forem e o indivíduo não conseguir adaptar-se então ele não foi resiliente, conclusão redundante.
Uma questão que passa despercebida no uso deste termo, é que para nós humanos a tal resiliência, que está sendo utilizada como sinônimo de uma habilidade máxima de adaptação ao meio, pode significar não à criatividade, à inovação, à consciência, à indignação. Por outro lado, para nós o sofrimento, a inconformidade, a visão crítica são alguns dos conhecidos motores e propulsores da criação e da inovação, enfim, da mudança e da busca pelo novo. Porque, ao que tudo indica, a utilização deste termo sentencia que quem é resiliente muda a si mesmo, muda os seus padrões individuais de necessidades, de expectativas, muda a forma de realizar o trabalho, ou seja, somente se adapta. E as condições de trabalho e de gestão não devem mudar também? O negócio não deveria ser resiliente também? O próprio negócio corre riscos se contar apenas com pessoas resilientes.
Outra questão, que parece mais séria, e que passa também despercebida é que a resiliência serve para explicar fenômenos materiais, e muito bem explicados pela física. Mas com humanos a resiliência, dependendo da pressão e do esforço para a adaptação e para a flexibilidade que as pessoas fazem, pode certamente significar seqüelas. Não porque o individuo não foi resiliente, ao contrário, ao sê-lo ele avança seus limites, mergulha e quando se dá conta, em pouco tempo começa a perceber as conseqüências deste esforço. A palavra esforço parece extrema, mas não é quando olhamos para as exigências de adaptação cotidiana que pessoas experimentam nas empresas em que traba lham. Está claro que o pedido e a intenção original são “mexa-se e saia do conhecido”, ou “adapte-se ao mundo mutante e veloz”, mas utilizado desta forma está causando um efeito ao contrário. Além das seqüelas (na maior parte das vezes reações psicossomáticas) esta exigência pode inibir a criatividade e a inovação.
Mais do que isso, para mudar de referenciais as pessoas necessitam de um recurso pouco disponível nas empresas hoje: tempo. Não lhes é concedido, ser resiliente é reagir imediatamente, ou seja, outra condição para a inibição da crítica e da criatividade. Acrescente-se a isto uma jornada de 10 a 12 horas de trabalho diário e a eterna sensação de estar devendo, e as coisas pioram bastante.
Para comprovar estas afirmações feitas até agora sugerimos uma visita ao médico do trabalho. Parece estranho, mas hoje ele tem uma boa noção e até um bom diagnóstico do que as pessoas estão vivendo e passando nas empresas hoje. É só pedir a ele que relate quais são as principais queixas do dia-a-dia e suas prescrições, e saberemos a porcentagem de doenças psicossomáticas existentes. É claro que nem tudo é consequência da tal resiliência, mas boa parte sem dúvida é.
Alguns argumentam dizendo exatamente o contrário, ser resiliente é ser criativo e inovador. Se isto significar ser criativo para mudar as condições de trabalho e de aspectos da gestão, estamos de acordo, mas não é bem isso que a utilização sensacionalista do termo sugere.
Para finalizar, um exemplo de resiliência talvez um pouco desconfortável: o brinquedo conhecido como “João Bobo”. Leva soco e pancada e volta sempre para o mesmo lugar com a mesma cara sorridente. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Luis Felipe Cortoni é sócio-diretor da LCZ Desenvolvimento de Pessoas e Organizações (www.lczconsultoria.com.br)

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